terça-feira, 20 de outubro de 2015

Paciência curta

Belorizonte. Eu subia a Pernambuco na direção da Savassi. A cabeça pesava. Vinha do dentista, duas extrações e a colocação de um pino pra implante – foi preciso furar o osso com uma broca – com um monte de anestesia . E o efeito pouco a pouco passava, a sensibilidade voltando com dor, a cabeça tonteando. “Evita falar”, disse o Edson, “evita andar”. Falar, tudo bem, eu não ia expor, mesmo. Mas era impossível não andar.  “Se fosse um funcionário de alguma empresa, eu te dava um atestado”. E ainda disse ao Pepe, “cuida dele”. Pepe estava indo expor, incomodou a idéia de dar trabalho, atrasar o lado dele e, na primeira esquina, desviei meu rumo.

As anestesias parece que saíam da boca e iam pra cabeça. Eu estava zonzando, cuspindo sangue a cada dez metros. “Preciso de gelo, de um açaí”. A rua se inclinava mais e eu diminuí o passo. Cambaleava. Não queria parar, a coisa tava num crescendo e parar podia se tornar um problema. Diminuí mais o passo e segui subindo. Virei a esquina e a rua era plana, no final do quarteirão achei uma pequena casa de sucos, entrei, sentei, pedi ao único funcionário o maior açaí que ele tivesse. Não havia outro freguês, só eu e o rapaz.  No momento em que ele me entregou a tigela cheia, entram o dono e um representante de fornecedor ou coisa parecida, com uma pastinha. Conversavam alto e o assunto era Dilma, petê, corrupção, panelaço, impítiman, essas teleguiações, essas superficialidades da alienação política classe média, mentes lavadas e enxaguadas pela mídia. Meti a colher cheia na boca, coloquei em cima da dor, fechei os olhos - fica quieto, pensei, não fala nada. Enfiava colheradas repetidas na boca, os caras não paravam de falar merda. Doidão das anestesias, cheio de dor, enchendo a boca de açaí e ouvindo disparate em cima de disparate, repetidos lugares comuns da televisão e dos jornais comerciais. É automática a ligação entre todo o sofrimento, abandono, miséria, ignorância, entre esses crimes sociais e aquela estupidez burra, imbecil, alienada, raivosa, obsessiva e totalmente teleguiada.

Eu não tava no meu normal. De repente levantei o braço entre os dois, “cês ficaí falando de Dilma, de Aécio, de petê, de corrupção, do caralho, até parece que essas figuras mandam alguma coisa. Quem manda nessa porra é banqueiro, é mega empresário, não tem governo, tem gerência, quem manda mesmo não passa por eleição nem aparece na televisão!” Os caras me olharam espantados, o dono da loja ainda tentou reagir, “mas a corrupção da Petrobrás...” e eu não deixei ele continuar, “a corrupção começou agora, né, petê que inventou, antes não existia...” os olhos bem nos olhos dele, que desviou o olhar dizendo “é... o ser humano é corrupto...” Mas a dor me fazia implacável, tanto a da boca quanto a da realidade que aquela mentalidade era fabricada pra não ver. “Se tu só conhece corrupto, azar seu, conheço um montão de gente honesta, que não tá nessa política aí, que nem é política de verdade, porque os donos não querem, não interessa a eles, se um entrar fica isolado lá dentro, não passa um projeto que seja! Tu tá é vendo muita televisão, fica falando aí na superfície, pensa que esses cara manda alguma coisa, isso é televisão que faz, papo de otário. Que mané Dilma é o caralho! Eu não voto desde 89, que não tô aí presse deboche, vai todo mundo de carneirinho votar pensando que pode mudar alguma coisa. Depois vai falar merda, teleguiado, longe da realidade como quer a televisão. Boiada! Cambada de mané! Enquanto tem criança, velho, gente abandonada por conta da ambição desses filadaputa que faz a gente de otário!” Eu olhava com raiva, falava alto e gesticulando, apontando o dedo na cara do sujeito. Uma parte de mim tentava me conter, mas o controle tava entorpecido. Os caras silenciaram, eu pude me concentrar na tigela e meter a cara no açaí, puto da minha vida. Então eu tô aqui com dor, zonzo, cuspindo sangue, vêm esses babacas encher minha orelha de merda, ora vai sifuder. Até eu sair não se falou mais nada na loja de sucos.

Slam Resistência, em Sampa e no mundo, é resistência à tirania do sistema social vigente... ainda.

FILOSOFIA DE RUA                                                                                                        

SABOTAGEM SEM MASSAGEM NA MENSAGEM
Fotografia: Sérgio Silva                                                                                                                                                                                                                                                                                          Nem o vento cortante da noite fria de segunda-feira (05/10) na Praça Roosevelt em São Paulo, foi capaz de esfriar nossos corações e mentes.Slam Resistência recebe Eduardo Marinho (RJ).            
Eduardo Marinho, foto: Sérgio Silva
A edição do mês de Outubro do Slam Resistência, realizado sempre na primeira segunda-feira de cada mês, recebeu, além do belo público e dos diversos poetas da casa, um convidado especial que dispensa a cerimônia de apresentação e, por si só, faz das suas palavras o elo de ligação entre a consciência do “observar e absorver”.
Eduardo Marinho foi o nosso artista convidado com a proposta de dialogar com o público presente sobre filosofia de rua, aquela em que a vivência torna-se uma experiência para além dos muros das instituições de educação tradicionais dentro do sistema capitalista.
Educação foi um dos temas abordados pelo artista que, além da critica ao modelo de educação existente, também falou sobre a sua experiência como membro militar do exército e da dificuldade que sua família encontrou em aceitar sua saída da universidade em troca das ruas do Rio de Janeiro.
Eduardo não faz a linha “profeta” ou “missionário”, apenas apresenta sua história de vida com os motivos que o levaram a optar pela rua e a experiência que esta vivência lhe devolve dia após dia.
O depoimento do filósofo das ruas pode ser conferido na página do Slam Resistência no FB.
https://www.facebook.com/slamresistencia/videos/918068558275864/?fref=nf
Conheça aqui o trabalho do Eduardo Marinho , “arteiro e escrivinhador” das ruas do Rio de Janeiro. A seguir, o registro do que rolou entre uma leitura e outra, e outra, e outra…

Eduardo Marinho apresentando o seu trabalho em artes plásticas
Um dos trabalhos de Eduardo Marinho


O fim é apenas o começo

sábado, 10 de outubro de 2015

Relatório da ONU já vem tarde.




Caio Castor foi preso em São Paulo. Ele filmava a manifestação dos estudantes do ensino médio que protestavam contra o fechamento das escolas. Paro pra pensar. Estudantes protestam contra um governo que está fechando escolas. O governo envia a polícia pra espancar, prender os mais ativos, tornar o ar irrespirável pra dispersar a multidão de jovens e adolescentes. Eles devem assistir à destruição das suas poucas possibilidades na vida sem reclamar. Devem se conformar a entulhar salas de aula de outras escolas ou deixar a escola pra lá e ir pra vida que a sociedade apresenta aos desqualificados, em todas as suas variantes. Um Estado criminoso, uma sociedade criminosa, um poder econômico criminoso controlando a estrutura social.

A coisa é tão descarada que se pesquisar na segurança pública se vê aumento na construção de presídios, com a privatização do sistema carcerário comendo solta. Ao mesmo tempo em que se fecham escolas.

Dá pra ligar as pontas. Preso vai dar lucro. O papo mentiroso, como sempre, é que melhorarão as condições, haverá programas de recuperação e toda uma série de fachadas cenográficas, médicos, psicólogos, tudo pro bem estar dos encarcerados. A  classe média apoiará em peso, teleguiada como sempre, como sempre centrada no seu próprio umbigo, cega pelos interesses imediatos às conseqüências de que será vítima. Os mais pobres estarão divididos entre os sabotados em instrução e senso crítico que se deixam levar pela mentalidade dos patrões e os que, intuitivamente, perceberão a armadilha, a nova forma de escravidão sendo armada, numa sociedade dirigida pela mentalidade empresarial – lucro máximo e custo mínimo. A seqüência é previsível, policiais propinados prendendo no atacado pelas periferias, julgamentos sumários e implacáveis, aqui e ali haverá se descobrirá um juiz subornado por empresários do sistema carcerário. A proposta é essa aí, enfeitada, travestida de outra coisa pela publicidade, em sua atividade criminosa de mentir ao público. Lembro a campanha insana pela diminuição da maioridade penal. Jovens pobres lotarão os presídios, trabalho alugado em troca de  diminuição de sentença. A estratégia aparece, clara.  A estrutura social é transparente em seus efeitos.

Em todos os setores, os mesmos interesses determinam, dominam, influenciam, direcionam, controlam, a partir do poder dito político, governantes e legisladores financiados, servidores de um punhado de podres de ricos que comandam através das elites locais subalternizadas e traidoras dos povos. O modelo da educação (ignorantizador no público, enquadrador no privado), comunicações sob controle mega-empresarial, setores estratégicos privatizados, forças de segurança claramente atiradas contra as populações pobres, vítimas de crimes de Estado, o genocídio de jovens e adolescentes nas periferias, tudo é parte da estrutura social montada pra funcionar assim mesmo, em todos os detalhes. Um punhado de seres desumanos impõe a ignorância e a desinformação, a alienação, a inconsciência, o consumismo, a superficialização do pensamento e do sentimento. E o controle do Estado e das políticas públicas.

Muitos dirão que é viagem minha, alucinação, catastrofismo, teoria da conspiração. Mas o que faço é ler a realidade à minha volta, consciente de que as informações mais facilmente disponíveis são falsas, distorcedoras, mentirosas, regidas por interesses financeiros, banqueiros e empresariais. Estamos em plena ditadura dos podres de ricos, criada com a proclamação da república. A estrutura permanece a mesma da monarquia, com a diferença de não ser preciso sangue azul, pedigree, pra estar no topo da pirâmide, entre os grandes parasitas. E estamos presos, por correntes fabricadas com mentiras, a uma vida sem sentido.

Taí o tal relatório. Sintomático, mostra a realidade que a mídia esconde.

http://nacoesunidas.org/comite-da-onu-sobre-os-diretos-das-criancas-critica-violencia-policial-e-discriminacao-estrutural-no-brasil/

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Na Bahia...

Mais de dois mil quilômetros pra chegar no Capão, a maior parte na noite.
Saímos em direção São Paulo, fomos hospedados na Casa Amarela, ocupação coletivista na Consolação, expusemos na Avenida Paulista de dia, na segunda, fiz uma fala no evento do Slam Resistência, na Praça Roosevelt à noite e partimos na madrugada. Chegamos em Belorizonte de manhã, ficamos três horas na casa do Rafael, que se incorporou ao grupo pra vir ao Vale do Capão, onde tá morando.
Partimos às seis da tarde, passamos a noite na estrada, alta manhã cruzamos a fronteira de Minas com Bahia, passamos Vitória da Conquista entrando nas estradas em direção à Chapada. Trezentos km depois tivemos que andar 20 km a mais pra arrumar combustível. Na segunda madrugada encaramos 90 km de estradas de terra e chegamos duas da manhã no Capão.
Amanhecendo, no norte de Minas.
Vamos ao festival de Lençóis e passaremos umas semanas por aqui. Devemos expor em cidades próximas, ou a chamados mais distantes que se disponham a custear o combustível de Celestina, a kombi, pra conversar, falar como andam me chamando - pra passar meus pontos de vista sobre as obviedades mentirosas que impregnam a vida de todo mundo, infernizando, angustiando, frustrando, adoecendo. Levamos material pra expor, desenhos, livrinhos, brincos, anéis, trabalhos meus, do Pepe e do Douglas Outro Preto.
Na fronteira Minas - Bahia, a placa de sinalização é menos expressiva que a da churrascaria, uma das infinitas demonstrações da situação de sujeição do estado ao poder empresarial, a partir dos bancos e mega-empresas, se estendendo pelas associações patronais. Sempre os exploradores das populações, usando suas marionetes "políticas" pra enganar o povo. Celestina serviu pra biombar parte da placa. Rafael deitado, Douglas Outro Preto, Pepe e eu.


observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.