terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Por tão poucos terem tanto, é que tantos têm tão pouco








Em cima da palavra 'poucos' há um casal para representá-los, esses, que são 1% da população, ou menos. Chamei-os messiê Deboche e madame Arrogância. Classe das mega-empresas, os concentradores das riquezas, controladores dos mercados financeiros, sentam-se no topo da pirâmide social, vivem isolados da maioria, estão sempre dentro de algum lugar cercado, sentem-se donos. À direita da palavra há uma porta com um segurança, há sempre seguranças entre eles e a realidade. O garçom está num ambiente de pronto serviço, eficiência exigida por esses tipos e seus subalternos graúdos - as cadeiras se assemelham a tronos para simbolizar o sentimento de 'natural' superioridade que eles sentem e emanam, mas o morcego denuncia seu vampirismo social. Eles se sustentam no poder do mundo apoiados pela força das armas - inclusive da segurança pública -, por isso o chão é um fuzil, que divide a sociedade entre os poucos e os tantos, ao mesmo tempo apoiando os poucos que têm tanto e ameaçando os tantos que têm tão pouco, representados na forma urbana da favela, na parte inferior direita - as armas pairam sobre suas cabeças. Aí é o território de exclusão, a área da miséria, de ausência do Estado e da sociedade organizada. A estrada significa haver caminho de saída para esta situação, mas são tantas as dificuldades - as funções do Estado, determinadas pela Constituição, a "carta magna", são ignoradas e não cumpridas, saneamento, condições de vida digna, ensino público que mereça o nome, moradia, alimentação suficiente, higiene, informação, cidadania, nada disso existe para essa enorme parcela da população, muitas vezes nem estrutura familiar-, tantos impedimentos, que um caminhão carregado simboliza ser barra pesada, muito difícil sair por esse caminho. Vêem-se exceções, apontadas como exemplo da possibilidade pra todos, reduzindo a maioria à sensação de incapacidade, impotência e subalternidade.À esquerda inferior há um ambiente de cinema, são as pessoas que assistem à vida, olham o mundo como se fosse um filme do qual eles não participam. Seu pensamento é "sempre foi assim, não tenho nada com isso, cuido é de mim e dos meus", geralmente são pessoas em condições de se qualificar em escolas particulares - e universidades 'públicas'-, alcançam condições de ocupar cargos importantes na manutenção da sociedade como ela é. São entre 20 e 30% da população, hierarquizados organizadamente de acordo com os interesses dos 1%, e disputam as migalhas enormes e variadas da opulência. Como vivem das migalhas do poder, o rato à esquerda os representa com propriedade. São os ricos que o povo vê, ainda que à distância, os subalternos dos mais ricos, dominantes da sociedade e do Estado - esses são difíceis de se ver passar, andam de helicópteros ou, no máximo, em carros blindados, cercados de seguranças, em trajetos curtos. Acima, a escuridão que envolve uma pessoa - nitidamente mestiça - simboliza a ignorância, criada e mantida para envolver a maioria. A vela simboliza luz. Por menor que seja a luz, por maior que seja a ignorância, quando há interesse e vontade, a luz vence a escuridão. É o trabalho da conscientização. A árvore representa a tendência natural, nos vegetais, de ir para o alto e buscar a luz. Aqui há uma analogia com a evolução da consciência. Por isso das suas folhagens mais altas vão surgindo pessoas, subindo pela esquerda, até o alto do desenho, significando a tomada de consciência, quando as maiorias percebem a farsa da "democracia de mercado", com a mídia na linha de frente na formação de opiniões e valores sociais e individuais. Percebe-se, afinal, as falsidades da hierarquia social, a igualdade intrínseca de direitos entre todos. E, deixando de se sentirem inferiores, deixando de reconhecer superioridades artificiais, ocupam naturalmente os lugares que lhes pertencem por direito moral de seres humanos, em igualdade conquistada pela consciência da realidade. O olho representa não só a possibilidade de enxergar a realidade como a necessidade de tomar consciência da realidade, de buscar o porquê e o como de tanta concentração de poder, de tanta perversidade com as maiorias, de tanto egoísmo estimulado, de tanta infantilização e idiotização da esmagadora maioria, de tanta ignorância e, em última análise, tanto sofrimento provocado pela estrutura da sociedade. O olho fala de observar e absorver.



Contra-corrente

A superioridade que eles sentem                                              
e exercem de forma arrogante,
se soma à certeza absoluta                                 
da inferioridade do restante.

Entortam sua sensibilidade,
desdenham o alheio sofrimento
e, em sua sub-humanidade,
a própria crueldade é seu tormento.

Do outro lado é plantada a ignorância
e desejos impossíveis de consumo
fazem o povo de idiota ou de criança
e destróem a esperança em outro rumo.

Os poucos com acesso a demais
desfrutam do roubado à maioria,
alegando direitos tão boçais
que é clara e evidente a hipocrisia.

Usufruir de privilégios, ostentações,
que egoísmo, que vergonha, que maldade!
Apenas desejar tais condições
já demonstra o grau primário da vontade.

Se cada um quisesse e tomasse para si
da vida só o que lhe fosse necessário
ruiria o sistema do egoísmo, e aí
o mundo poderia ser mais solidário.

Com humildade e com dignidade
escolhe a humanidade o mal e o bem,
é preciso trabalhar a sociedade
pra que não se abandone mais ninguém

Se ainda não vivo um mundo assim,
não posso simplesmente ignorar,
não dá pra ver a vida só pra mim,
se quero ter valor no trabalhar.

Sem me conformar, muito menos aderir,
faço meu olhar bem mais profundo.
Observar, absorver, analisar, refletir
e expor tudo em meu trabalho sobre o mundo.

E se e quando eu for de arrasto na corrente poderosa
quero saber que eu andei ao contrário da corrente,
que não vivi atrás de uma vida cor de rosa,
ignorando a injustiça e o sofrer de tanta gente.

Quero saber que lutei o quanto pude,
que não me rendi a pressões nem seduções;
que mantive em minha vida a atitude
de não desejar mais do que preciso
e estar sempre solidário às multidões.

observar e absorver

Aqui procuramos causar reflexão.